Taí mais um termo desses que entram na moda mas que nem todo mundo conhece de verdade. Por isso vamos aqui esmiuçar e entender exatamente do que se trata.
Traduzindo literalmente, Headroom significa "Espaço Pra Cabeça". Um exemplo é um carro. Se a gente senta num banco de um carro, o espaço que sobra entre nossa cabeça e o teto é o Headroom ( e o termo é usado nesse sentido também).
De Onde Vem o Valor de Referência de Volume?
Mas como isso se aplica ao áudio? Vamos voltar no tempo para descobrir. Lá pelo início dos anos 1940, devido basicamente a compatibilidade com linhas telefônicas, adotou-se como nível de referência o valor de tensão AC senoidal necessário para produzir 1 mW de potência em 600 Ω de impedância (aproximadamente 0.7746 VRMS) - chamado dBm.
Assim começou-se a usar como referência , 0dBm . Mas havia um problema. Devido às características de construção dos medidores de nível (os VU meters, que veremos adiante), era difícil conseguir mostrar com eficiência 0dBm. Para funcionar, esse medidor precisava ter uma impedância de menos de 4000 Ω , e acabaria carregando o circuito de áudio (o ato de medir influenciaria o nível do áudio). Par a diminuir essa influência, era usado um resistor em série de 3600 Ω, só que agora , quando o medidor indicasse 0VU, na entrada nós teríamos na verdade +4dBm.
Em vez de se mexer no padrão, todo mundo combinou que o 0VU corresponderia a +4dBm, e aí virou referência. Com a evolução técnica, hoje em dia usa-se um valor que não considera a impedância, o dBu , mas que vai dar a mesma tensão.
No caso de equipamentos de consumidores domésticos, usa-se um padrão mais baixo, de -10dBV, mas isso é outra história sobre a qual falaremos no futuro.
Os Dois Extremos são Importantes
Para usarmos bem um equipamento de áudio, é importante sabermos dois níveis extremos: o ruído de fundo - o chiado que o equipamento produz por si mesmo, sem nada na entrada ( o que todo equipamento tem) , e o maior nível que ele é capaz de entregar sem distorcer o sinal.
Bom, enquanto definir o ruído de fundo é fácil, estabelecer o nível máximo é um tanto complicado em um equipamento analógico. Isso porque todo equipamento distorce, nem que seja bem pouco. A distorção que nos interessa nesse caso é aquela onde a fonte de energia do equipamento não tem mais capacidade de aumentar a saída - essa condição é chamada "saturação". E essa saturação costuma acontecer aos poucos , e não drasticamente.
Aí o que se faz nas especificações é adotar X % de distorção harmônica para admitir que o equipamento chegou a seu limite e informar ao usuário quanto é. Vamos chamar esse nível de "ponto de saturação".
Faixa dinâmica
Podemos então dizer que a diferença de volume (tipicamente em dB) entre o ponto de saturação e o ruído de fundo é a Faixa Dinâmica (Dynamic Range) desse equipamento. A gente pode estender esse conceito de faixa dinâmica a meios de transmissão, canais de TV e rádio, e equipamentos digitais.
O 0VU
Agora o projetista do equipamento precisa, dentro do espaço da faixa dinâmica, estabelecer onde ficará o nível de +4dBm (0VU). Para nos afastarmos do ruído de fundo, é importante que esse ponto seja perto do ponto de saturação, mas não perto demais, para não saturarmos o sinal desnecessariamente, e não termos o enorme trabalho de controlar o nível na gravação o tempo todo.
Essa proximidade com o ponto de saturação se revela no próprio medidor de VU , que tem um máximo de +3. Ou seja, o medidor indica que podemos estar com muito volume se passarmos apenas 3dB do ponto de 0VU. É claro que todo projetista dá uma boa "folga" para que se ultrapasse esses 3dB.
Headroom
Então nós precisamos informar ao usuário quantos dB ele pode passar acima de 0VU sem atingir a saturação. Isso é o que se chama Headroom. E conseguir headroom custa caro e complica o circuito. Os melhores consoles podem atingir coisas como 24 dB , e isso acaba impactando no custo do equipamento.
Por isso, geralmente a qualidade de um equipamento pode ser associada a seu headroom, embora isso não seja uma regra , principalmente pela definição um tanto nebulosa de ponto de saturação. Além disso, muito do que um projetista faz para aumentar a faixa dinâmica se concentra no outro extremo, através da redução do ruído de fundo.
O mais importante é a gente ter sempre em mente que o equipamento de menor headroom determina o valor de toda a cadeia de áudio.
A Fita Magnética
Historicamente, a fita magnética era o elemento com menor headroom, o que fazia sentido, pois era o destino das gravações. Inclusive, a gente podia ajustar o ponto de 0VU no gravador de fita para trabalharmos mais próximos da saturação - o que se chamava "trabalhar quente". E quando o cliente adorava ver os ponteiros dos VU meter batendo no máximo, a gente podia alinhar o 0VU mais para baixo, e aí ficávamos longe de saturar a fita mesmo parecendo que estava tudo sendo "esquentado". ;)
O Caso Digital
Uma característica que diferencia totalmente o áudio digital do analógico é que em digital o ponto de saturação é bem definido. Quando todos os bits são 1, não tem como subir mais. Ou seja, até muitíssimo perto do volume máximo, nós temos a melhor qualidade possível de áudio, mas uma vez atingindo esse topo, o áudio estará saturado. É o chamado Full Scale (FS). Em tese, portanto, o conceito de headroom não se aplicaria. O que se faz é escolher um valor abaixo do FS para ser o 0VU.
E tem outra coisa, o áudio digital é muito fiel às variações rápidas de nível do sinal, e com isso, responde e registra quaisquer picos, por mais curtos que sejam. Então , a gente que deixava o áudio ficar beirando a saturação e com isso ganhando uns harmônicos a mais pela distorção leve, agora não podemos deixar saturar.
Por isso costuma-se alinhar os equipamentos digitais para que tenhamos mais dBs disponíveis no headroom. A princípio nós podemos ajustar o valor de 0VU na entrada de um equipamento digital para qualquer valor dentro dele. E no início dos tempos esse headroom digital passeou por valores de 12, 14 , 16 dB, ficando, da mesma forma que no caso da fita, meio a critério do operador (embora a maioria nem se tocasse dessa possibilidade). Com a possibilidade de maior faixa dinâmica com o uso de 24bits, o valor se solidificou nos 18dB que se usa na maioria dos casos hoje.
Assim, quando se entra com 0VU (+4dBm) em um equipamento digital, ele vai registrar -18dBFS.
Como veremos no próximo post, isso já demonstra que o medidor de VU ficou meio sem função no áudio digital, embora continue útil na medida de ajuste de nível entre equipamentos.
Conclusão
Em resumo, o headroom de um equipamento analógico nos informa o quanto podemos ultrapassar o valor de 0VU sem que ocorra saturação apreciável. No caso de equipamentos digitais, normalmente se trabalha com 18dB de headroom, e por isso é interessante que tenhamos equipamentos antes e depois da DAW que sejam capazes de lidar com valores dessa ordem de grandeza. Uma interface de boa qualidade hoje entrega uma faixa dinâmica da ordem de 120dB com sinal de entrada máximo da ordem de 24dBu .
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