SENDS, RETURNS E GRUPOS - DE ONDE VIERAM E POR QUE SÃO COMO SÃO
Quero convidar o valente leitor a uma viagem ao passado mas de algo que ainda é presente (?!)
Vamos retornar a uma época em que não havia DAW, em que os computadores ainda não gravavam áudio, e tínhamos que armazenar nossos sinais em fitas analógicas, e tínhamos que processá-los fisicamente para realizar as mixagens.
O legal é que esses equipamentos continuam existindo, e totalmente válidos, e mais, como vamos ver, as ferramentas digitais acabaram herdando seus modos de operação e toda a filosofia por trás deles.
- Consoles
Os consoles de gravação de áudio foram criados para concentrar os recursos necessários à sonorização, gravação e mixagem, o que se mostrou muito prático a partir do momento em que se começou a gravar múltiplos canais. Mas além de apenas ser um jeito prático de ter acesso a equalizadores, compressores e ajuste de ganho e volume, os consoles também começaram a fornecer um jeito poderoso de se encaminhar os sinais de áudio.
Por exemplo, suponha que você estivesse com um microfone no canal 5 do console. Através da matriz de endereçamento, você poderia por exemplo gravar esse canal na pista 17 da fita . Outra vantagem era a capacidade de reunir vários canais em uma mesma pista. Por exemplo, gravando quatro canais em um coro mono.
Um console então , na verdade era mais de um, porque fornecia vários “caminhos” , ou várias mixes ao mesmo tempo.
- As Diferentes Mixagens de um Mesmo Console
Observe a figura desse mapeamento:
Ele parece confuso, mas vamos esclarecer as coisas.
Primeiro, vamos ver o caminho amarelo. Ele vem dos microfones ou entradas de linha e vai para as pistas do gravador. No meio desse caminho, dependendo do console, pode haver equalizadores, compressores, gates, qualquer coisa que a mesa ofereça e que a gente queira fazer para deixar o som já moldado do jeito que desejamos. Adicionalmente é possível combinar os sinais de vários microfones/linhas em um ou mais pistas do gravador. Esse processo é chamado “blending” , pois é uma mix (mistura) em que não dá pra desmisturar depois.
O caminho azul escuro é o que permite primeiro a gente ouvir o que foi gravado (ou o que está sendo gravado) , e segundo, permite à gente mixar, quando não está mais gravando. Em tese, quando se usam consoles e gravadores de fita, o sinal que vem dos microfones é monitorado sempre depois de ter passado pelo gravador (sempre ouvimos o caminho “Mon”), porque se vamos gravar e como a fita altera o som ao gravar, essa será a nossa verdade auditiva.
OBS: repare que existe opcionalmente o caminho amarelo tracejado, que permite ao usuário escutar nas caixas o sinal que entra no console mas não passou na máquina. Não é comum, mas é sempre útil se existir.
E se eu quiser, por exemplo, ligar um compressor externo em um canal apenas? Para isso o console dispõe dos INSERTs . Cada canal possui uma saída e uma entrada próprios, que vão permitir inserir processadores individuais (não estão mostrados na figura). Hoje em dia é o jeito que temos de “colocar um plugin” em um canal.
Resumindo, o caminho do sinal (ou “signal flow”) normal em um console é Mics/Line -> canal -> gravador -> monitor -> caixas. O áudio que sai nas caixas normalmente é o que passou dentro do gravador, mesmo não sendo gravado.
O caminho a que chamamos simplesmente de “mon” é na verdade tão sofisticado quanto os canais de entrada, com seus processadores próprios (eqs, compressores). E como normalmente ou se está gravando ou se está mixando, muitos consoles otimizam sua topologia, e os canais de entrada, na hora da mixagem, são transformados em canais de monitor. Isso através de chaves que redirecionam os sinais dentro do console, cujo nome nunca foi padronizado mas que fazem basicamente a mesma função.
Mas existe uma categoria de equipamentos que ao mesmo tempo são poucos e são bons de usar em vários canais. Os reverbs, por exemplo. Mesmo os estúdios grandes dispunham de poucas unidades de reverb, que eram tipicamente compartilhadas por muitos canais. Como fazer para inserir reverbs nesse esquema de coisas?
Para isso, os consoles dispõem do que se chama “Send”(ou mandada) e “Return” (ou volta). Que na verdade são sub-mixes, ou mixagens Auxiliares (AUX). Cada canal de entrada e cada monitor possui pelo menos um controle de volume (normalmente rotativo – potenciômetro), o SEND, que envia uma parcela desse sinal para um somador (summing) , que junta essas mandadas todas e envia para uma saída SEND. A essa saída a gente pode ligar um efeito externo (outboard gear) – no caso, um reverb. O reverb vai processar essa soma proporcional de sinais e vai entregar uma saída. Essa saída então é ligada a uma entrada de RETURN do console, que vai juntar esse sinal ao sinal do caminho Mon e enviar para a saída geral do console.
De acordo com o grau de complexidade, o console pode oferecer vários sends, o que permite usar vários reverbs e outros outboard gear ao mesmo tempo na mix.
OBS: nesses casos o reverb deve estar sempre em 100% wet, ou haverá problemas, pois uma parte dos sons diretos dos canais vai voltar pelo return!
OBS2: graças à enorme capacidade de processamento das CPUs modernas e das DAW, essa filosofia de um mesmo efeito para vários canais pode ser abandonada completamente, e muita gente hoje sai insertando o mesmo reverb em tudo o que é canal, o que pode deixar os mais ortodoxos bem nervosos, mas que no final das contas, pode funcionar, mas pode aumentar desnecessariamente a complexidade de uma mix e o consumo de CPU.
- PRE e POST FADER
Mas de que ponto no caminho do sinal deve ser puxado esse sinal de send em um canal? Normalmente ele é puxado de um ponto situado DEPOIS do fader de volume do canal. E por quê?
Porque durante uma mix, se a gente mexer no volume de um canal, a quantidade de mandada para o reverb deve ser alterada da mesma forma. Por exemplo, se temos um violão que está alto na mix e com reverb, se abaixamos o seu volume, é preciso que o send para o reverb abaixe junto, ou ele ficará com excesso de efeito. Se a mandada for feita PÓS FADER (POST FADER) , isso já fica automático. Então normalmente mandadas desse tipo são POST.
Mas existe outra sub-mix importante: a mix de fones. Hoje em dia , com as DAW, é muito comum que a gente mande para os fones dos músicos exatamente o que estamos ouvindo na técnica, mas quando se usam consoles (e gravadores de fita, principalmente), é bom que tenhamos poder de alterar o que é mandado para o fone sem mexer no equilíbrio do que estamos ouvindo.
Então usamos o submix de fones, que tem os seus próprios sends. A diferença para os sends que vimos anteriormente é que agora fica mais confortável que a mix do fone não mude se eu mexer nos faders. Isso garante a independência das mixes. E a melhor forma de fazer isso é puxar os sends de fones de um ponto ANTES do fader , ou PRÉ FADER (PRE FADER).
Repare também que em ambos os casos que vimos de sends, eles estão sempre na mix Mon, ou seja, partem do que estamos ouvindo.
Nesse ponto, antes de seguirmos, é preciso destacar uma coisa importante. Mais uma vez, o grau de sofisticação e poder de um console (e seu preço, certamente) vão determinar a flexibilidade disso tudo. O número de Sends pré e pós , a possibilidade de chavear um send entre pré e pós, usar sends a partir dos canais de entrada ou do monitor, etc, etc
Acima, um exemplo de console simples com duas mandadas pré fader (vermelho) e uma pós fader (amarelo).
Abaixo temos o exemplo oposto, o console 5088 da Neve , onde as mandadas AUX (sends) possuem completa flexibilidade:
Podemos pensar em um console como vários mixadores: o que molda os sinais de entrada para o gravador , o que volta do gravador e nos permite ouvir na gravação e mixagem, o mixador AUX pós fader, que nos permite incluir processadores que afetam vários sinais, como um reverb, e o mixador AUX pré fader, que nos permite enviar mixagens independentes da que estamos ouvindo para outro lugar, como fones, por exemplo.
- O Caso dos Subgrupos
Mas a coisa não para por aí. Vamos pensar na seguinte situação. Durante uma mixagem eu ajustei os volumes de todos os canais de bateria. O equilíbrio entre eles está perfeito. Só que eu agora preciso dar um ganho de 3dB na bateria como um todo. Imaginando que estamos em um console físico, repare que a escala dos faders não é linear. Lá em cima, perto do 0dB, eu preciso mexer muito no fader para alterar 3dB. Já se o fader estiver lá embaixo, digamos, em -24dB, alterar 3dB vai exigir que eu mexa muito pouco no fader (e sem a menor precisão).
Uma maneira de alterar o volume de vários canais ao mesmo tempo e garantir que todos foram alterados do mesmo tanto é fazer um sub-grupo desses canais. Isso pode ser feito de várias maneiras, mas filosoficamente podemos dividir em duas: a que redireciona fisicamente os áudios para um canal mestre(master) e outra que apenas controla remotamente o volume desses canais.
Um dos modos de realizar a primeira filosofia é usar os sends e return, desviando os sinais fisicamente para um master de grupo. A vantagem desse método é que podemos por exemplo insertar um processador , como um compressor, nesse canal master.
Já na filosofia em que apenas o volume de cada canal é controlado remotamente, um exemplo são os chamados VCAs. Um VCA em tese é apenas um controle de volume que controla os faders de volume conectados a ele. Os áudios ficam onde estão.
Inclusive existe um problema de nomenclatura aqui. Na verdade, VCA significa Voltage Controlled Amplifier (amplificador controlado por tensão), e o nome vem do método usado para que um fader master controle os outros. O master de VCA em um console não mexe fisicamente nos faders, mas altera o ganho de seus amplificadores através de uma tensão.
Como a variedade é enorme, existem os consoles com “Moving Faders” , onde um VCA irá mexer mesmo nos faders e não no ganho de seus amplificadores.
OBS: Mais curioso ainda é lembrar que existe uma topologia de compressores chamada VCA (como os 160), embora praticamente todo compressor controle o ganho através de um circuito VCA interno. Os compressores chamados VCA recebem esse nome porque são os que usam um chip dedicado a realizar a função de VCA. Mas VCA mesmo praticamente todos são.
- Aplicando às DAW
Todo mundo que começou a mexer em áudio na era pós-DAW pode estar meio confuso tentando associar toda essa informação com os softwares que usa.
Conceitualmente as DAW tendem a funcionar em sua base como um grande console (no início era importantíssimo que elas fossem muito parecidas com os físicos) , e os jeitos de fazer grupos, mandadas de reverb e até fones permaneceram praticamente os mesmos entre os mundos analógico e digital.
Os jeitos de implementar essas coisas são muito diversos, e fazem parte da personalidade de cada DAW, mas todos acabam seguindo as razões históricas vindas da arquitetura dos consoles, mesmo que fisicamente acabem não parecendo muito.
Pode até parecer simples para os iniciados, mas, para os iniciantes, é um tanto complexo. É preciso ter grande conhecimento dos caminhos do áudio para que eles não sejam percebidos como um grande labirinto... Muito obrigado, professor Fábio, por compartilhar seus sólidos e profundos conhecimentos desse imenso "universo sonoro"! Grande abraço!