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Foto do escritorFabio Henriques

O BOTÃO QUE SALVA MIXES


Um dos aspectos mais importantes em uma mixagem é o volume final. Independente de estarmos em um ambiente analógico ou digital, a regra geral para o áudio é:


Fique bem perto do máximo volume, mas não deixe que ele seja atingido.


Essa é uma daquelas regras do mundo onde teoricamente não há regras, e ela pode ser dividida em duas partes. A primeira é a que recomenda que fiquemos com o volume o mais alto possível. Isso nos permite uma maior faixa dinâmica, porque nos afasta do ruído de fundo, no caso analógico e diminui a influência dos erros de quantização, no caso digital.


O problema é que se a gente tem uma mix que está batendo no máximo em , por exemplo, -11dB, não basta aumentar o volume do master 11dB para arrumar as coisas, ou tampouco usar Normalize no áudio. Isso porque quando se dá ganho nessas condições, a gente traz o ruído junto, e a faixa dinâmica permanece.



O ideal é que toda a mix já seja construída de forma a que o volume final seja suficientemente alto. Só que aí entra a outra parte da “regra”. Se o volume fica alto demais, podemos acabar batendo no topo do volume possível, e ganharemos de presente uma distorção. E mesmo quando se deseja uma distorçãozinha, é melhor que a gente gere de propósito e não como efeito colateral. A ideia é que nós sempre tenhamos controle sobre o resultado de nosso trabalho, e não contemos com a sorte pra dar uma sonoridade interessante.


Conseguir uma mix com um bom volume é uma das coisas mais importantes. Não basta nos preocuparmos com frequências apenas.


Sabendo que o volume final pode ser problemático, muita gente adota uma "folga" de volume (um headroom), por exemplo, evitando que os volumes do master fiquem acima de -6dBFS. Adotar essa margem de segurança tem suas vantagens, mas é importante não deixar que esses valores fiquem baixos demais. Uma mix com valor médio em -20dB embora dê segurança contra distorções indesejadas, é um desperdício de faixa dinâmica.


Em Que Volume Eu Começo?


Essa é uma das perguntas de um milhão de dólares. Em quantos dB tem que bater o kick pra que depois de tudo incluído, lá no master, a soma de tudo não fique clipando e nem baixa demais? Infelizmente, ou felizmente, não tem um jeito certo. Cada pessoa desenvolve sua técnica, com a vantagem de que sempre podemos alterar ao longo do caminho. Eu mesmo começo com o kick (normalmente o primeiro canal em que trabalho) com picos em -6dBFS, mas muitas e muitas vezes esse não é o volume com que ele fica na mix final. Afinal, a gente precisa começar de algum lugar.


Então pra não recorrer ao óbvio (tipo "não há regras" e "use seus ouvidos") - que não ajudam em nada a quem quer um ponto de partida - vou sugerir aqui um jeito de facilitar a gente a controlar bem o volume da mix. Mas antes, os inevitáveis fatos teóricos que embasam o que fazemos.


Equal Loudness


A essa altura acho que todo mundo já conhece as famosas curvas de Equal Loudness:


Para não nos estendermos desnecessariamente, essas curvas mostram a nossa sensibilidade auditiva para vários valores de SPL (de "volume" acústico). Por exemplo, O ponto "A" mostra que se estamos ouvindo 1kHz a 80dBSPL, para escutar 50Hz com o mesmo "volume", precisamos subir o valor SPL para 100dBSPL. Ou seja, com esses volumes, percebemos 50Hz 20dB abaixo de 1kHz, e isso tem consequências muito importantes.


As Verdades da Audição


Não ouvimos "flat".

  Pois é, meus amigos, por mais que a gente procure mix com resposta plana, fones com resposta plana, caixas com resposta plana, nossos ouvidos não possuem resposta plana. Mas como? Quer dizer que em vez de resposta “flat” eu deveria procurar compensar o ouvido? NÃO!!!!! O que acontece é que tudo o que você ouviu até hoje passou por esse “equalizador cerebral” que você tem aí dentro de você. E você nunca vai ouvir diferente em sua vida (descontando a perda de agudos com a idade). Ou seja, independente de nossa equalização interna, o nosso cérebro já compensa as coisas, de forma que uma curva flat na mix para nós soa natural.


OBS: no caso da resposta de fones, as curvas flat não são verdadeiramente flat. É comum que elas mostrem como os fones respondem de acordo com uma curva mais ou menos padronizada, gerada pelo pessoal da Harman. Isso é algo que vou abordar em um post futuro e não precisa nos preocupar agora.


Porém não dá pra negar que somos mais sensíveis a certas frequências que a outras


Somos mais sensíveis a frequências na faixa dos 3kHz. Ao longo da evolução, fomos nos especializando em ouvir melhor essa região, que coincide justamente com o choro de uma criança, ou com um grito de socorro. Não é à toa que as sirenes de alarme, de saída de garagens e até mesmo os toques de telefone estejam nessa região (são mais audíveis com menos gasto de energia). Isso é bom mas é ruim, porque muita sensibilidade pode levar a irritabilidade. Ou seja, se a gente quer que algo seja bem audível numa mix, dar um ganho em torno de 3kH (C) pode ser bom, mas ao mesmo tempo o exagero nessa região pode deixar a música desagradável. E no caso de nosso foco aqui nesse texto, por causa dessa nossa sensibilidade, quando abaixamos o volume de monitoração, essa região de médias frequências continua bem audível. É por isso que em um fade out, as últimas coisas que somem são as médias. Confira.


Temos pouca sensibilidade aos graves. Baixas frequências são maravilhosas, mas são rebeldes. Um dos problemas é que elas possuem comprimentos de onda enormes, e se espalham, contornando os obstáculos. Com isso a energia que elas carregam se dispersa com facilidade, e ai fica mais difícil ouvi-las. Talvez por isso, mas não só por isso, nós somos ruins de captar graves - no ponto (B) vemos que precisamos de 100dBSPL para ouvir 50Hz com o mesmo volume acústico que 1kHz em 80dBSPL. É preciso muita pressão nessa região pra que nós tenhamos a sensação de equilíbrio com as médias. Como era de se esperar, ao abaixar o volume de monitoração, os graves nos abandonam muito cedo, e isso é super importante.


Quanto mais alto, mais flat. Taí uma coisa que gerou enormes consequências no mundo da música. Se você reparar, conforme as curvas de equal loudness vão subindo no gráfico, elas vão ficando mais planas, mais “flat” (embora ainda longe do flat total). Resultado, ouvimos melhor o conjunto de todas as frequências em volumes altos. E se abaixamos o volume as coisas mudam totalmente.


Ao alterar o volume de monitoração da sala ou do fone, independente do volume que está dentro da DAW, é como se nossa audição aplicasse um "equalizador", porque a nossa sensibilidade a diferentes frequências muda.


Quando se abaixa o volume de monitoração, os graves são mais atenuados que as médias. E quando se aumenta, tendemos a ouvir mais flat. Isso não é terrível, porque lá no final, isso também vai acontecer com nossos ouvintes, e eles, assim como nós, estão acostumados com isso desde que nasceram.


O Que Posso Fazer a Respeito?


Com todos os problemas que temos que resolver numa mix, certamente não queremos inserir um equalizador extra que depende do volume que estamos ouvindo e sobre o qual não temos nenhum controle. Então a melhor coisa a fazer é tentar evitar sua influência, mantendo essa "equalização" constante.


Para isso, a minha sugestão é :

Escolha um volume padrão de monitoração e

NÃO MEXA MAIS NELE!!!!!


Para conseguir isso, primeiro precisamos achar o tal volume padrão de monitoração. Para isso fazemos o seguinte:

Deixamos o volume do master fader da DAW em 0dB (ou seja, não dando ganho nem atenuando.

Ouvindo várias músicas através da DAW, vamos estabelecer um volume de monitor que seja confortável. Sim, as normas recomendam 80dBSPL para uma exposição de 8 horas por dia, mas isso é para ruído de espectro estatístico com foco nas médias (e não para música com muitos graves). Outros padrões de áudio recomendam 85dB e etc. Mas todas essas medidas precisariam ser feitas usando-se ume medidor de SPL, um "decibelímetro", que pouca gente tem à disposição. Atenção: os SPL meter de celular não adiantam, porque precisariam de calibração.


OBS: se você por acaso tem um SPL meter, para música o mais recomendado é a ponderação C e reposta lenta.


Mas sem medidor, quanto é 80dBSPL? Para uma sala quieta, uma pessoa falando em um volume um pouco acima do normal é mais ou menos isso.


Mas eu preciso confessar que 80dBSPL particularmente não me atendem. Eu já medi o volume para o qual eu naturalmente tendo quando quero ouvir música (principalmente trabalhando) e o valor fica entre 85 e 90 dBSPL (C-Weighting, slow). Esse ponto é aquele em que se a música está tocando, uma pessoa tem que falar mais alto para ser ouvida. Pelas normas isso não é bom para várias horas ininterruptas, mas para isso eu conto com as paradas periódicas de descanso. Então, cuidado com sua audição!!!


Resumindo, ache o seu volume confortável de monitoração, cuidando para que ele não seja alto demais – e sempre pare para aquele cafezinho por pelo menos 5 minutos a cada hora.


A partir do momento em que você estabeleceu seu volume padrão,


NÃO MEXA MAIS NELE!!


Usando Como Recurso


Nesse momento alguém pode argumentar que já ouviu um monte de gente falando que é útil se verificar a mix em vários volumes de monitoração, e de fato é, desde que a gente saiba o que está fazendo.


DE fato, agora que temos uma âncora, uma posição no volume de monitoração que é a nossa base e que para nós é o "flat", podemos usar esse volume como recurso. Afinal, nós não sabemos como os ouvintes irão ouvir nossa música. Então , sim, podemos abaixar o volume para verificar como a nossa mix soa com menos graves, e podemos aumentar , para verificar como soará para os que ouvem alto. Isso pode ser muito útil, desde que , depois dessas verificações a gente Volte Para o Volume Padrão !!!


Uma outra vantagem de ter um volume padrão é que podemos usar isso para forçar uma mix com menos ou mais volume. Por exemplo, se você quer uma mix com mais "pressão" , experimente abaixar uns dBzinhos no volume padrão de monitoração. Sua tendência será gerar uma mix mais alta. Ao contrário, se você observa que sua mix está ficando alta demais, experimente aumentar o volume padrão de monitoração (pelo menos até as coisas se ajustarem) e reveja os volumes dos tracks. Isso tudo lembrando que no final o volume deve estar de volta no ponto padrão.


Dessa forma, algo que poderia nos atrapalhar passa a ser usado como ferramenta de auxílio. Qualquer que seja o papel do volume de monitoração - ou fixo no padrão para interferir o mínimo possível, ou sendo alterado para nos ajudar a ajustar o volume final da mix, no final, desse modo nós transformamos em ferramenta o que era apenas mais um botão na sala.

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5 Comments


Silvio Bitzki
Silvio Bitzki
Jan 09, 2024

Bastante leigo e muitíssimo amador que sou, desculpe se farei aqui um comentário que talvez fuja do tema, mas me ocorreu comentar que, nas poucas mixes que produzi, referentes as minhas próprias composições, sempre tive muita dificuldade para equalizar o contrabaixo. Às vezes ele perdia definição, ou ficava "gordo" demais, ou quase desaparecia em algumas passagens, para logo em seguida soar com a devida nitidez. Mal comparando (bota má comparação nisso!), me lembra um pouco "Because" dos Beatles, onde o contrabaixo praticamente some em certos momentos... Aliás, existem inúmeros casos na discografia mundial, onde determinadas notas do contrabaixo soam com muito mais destaque que as outras. É assim mesmo? O contrabaixo é realmente esse cavalo indomável? Parabéns, Fábio, pelo seu…

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Silvio Bitzki
Silvio Bitzki
Jan 10, 2024
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Muito grato pela resposta! Abraço Mestre Fábio!

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untilde
untilde
Jan 09, 2024

"Resumindo, ache o seu volume confortável de monitoração, cuidando para que ele não seja alto demais – e sempre pare para aquele cafezinho por pelo menos 5 minutos a cada hora."


Acho que esse é um dos principais pontos para mim e colegas. É muito tentador ficar "agarrado" na masterização ou mixagem por horas a fio (sobretudo quando a música é boa, hihi). Esse é um problema que enfrento: Preciso me forçar a fazer pausas com um despertador ou acabo maratonando, o que é péssimo para os ouvidos (como todo mundo já sabe). É terrível passar horas masterizando e no dia seguinte reouvir e perceber que há inconsistências entre as faixas pois os seus ouvidos estavam saturados ao fim da…

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Fabio Henriques
Fabio Henriques
Jan 09, 2024
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Sem dúvida. Como já falei algumas vezes no grupo, o equipamento mais importante no estúdio é a cafeteira. Isso a curto prazo. A médio prazo, o melhor resolvedor de mix e master é o travesseiro. Uma noite bem dormida transforma tudo :)

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