Tem uma coisa que me deixa intrigado, que é a frequente observação de que esse ou aquele equipamento de áudio é mais “musical”. Eu queria entender o que quer dizer isso no fundo. Será que significa que é fácil se chegar a resultados eficientes em uma música? Mas se for assim, isso só aconteceria se o equipamento se ajustasse sozinho. A partir do momento em que entra o elemento humano nos ajustes, somos nós os responsáveis, para o bem ou para o mal.
Vejamos o caso emblemático dos equalizadores. Normalmente um equalizador não diz pra gente onde mexer nem como mexer. Isso porque na verdade os equalizadores somos nós. O pobre do equipamento faz o que a gente manda.
Sim, é verdade que a inteligência artificial está vindo com vontade e em breve provavelmente os equalizadores vão pedir licença e fazer o trabalho por nós. Mas por enquanto ainda somos nós os responsáveis.
Um Clássico Eq Musical
Talvez o caso mais famoso de equalizadores “musicais” seja o clássico Pultec EQP1A. O equalizador desejado por 11 de cada 10 pessoas que se aventuram no áudio. Todo mundo concorda que eles são extremamente musicais, embora ninguém saiba dizer direito o que é isso.
Aí eu entro com a minha teoria. Eu acredito que as pessoas descrevem como musical um equalizador com que se consiga resultados facilmente e que esses resultados soem bem e soem familiares. Então provavelmente a musicalidade está associada na verdade mais à facilidade de uso do que a uma característica sonora própria.
Sim, existe uma possibilidade de que ele possua uma tendência a gerar distorção harmônica alta no sétimo harmônico (aquele que soa o pior deles), mas convenhamos que isso seria o detalhe do detalhe.
Como todo mundo já viu, eu não sei direito o que é ser “musical”. Uso áudio pra música, e todo equipamento que eu uso e gosto de usar, para mim é musical. Tem uns equipamentos que dão bons resultados, mas são muito difíceis de usar. Esses eu já reparei que tenho uma certa dificuldade em chamar de musicais.
Mas o que será que caracteriza um EQP-1 A mais do que qualquer outra coisa? Com esse glamour todo que a saturação está tendo hoje em dia, vem logo um povo dizendo que é a distorção harmônica que faz ele ser musical. Bom, eu tenho minhas dúvidas, porque existe outra coisa muito mais evidente.
O Segredo de Ser Musical
Vamos observar. Digamos que eu pegue um EQP-1 A e queira usar num contrabaixo. Vou lá e ajusto ele em 100Hz, dando um ganho de 6 no botão:
Primeira coisa, o ganho em 100Hz foi de 9dB, e não 6, como o botão possa induzir, e mais importante que tudo: o shelving é extremamente largo. A gente quis dar ganho em 100Hz mas está acentuando desde 2000Hz. A subida do shelving é de quatro oitavas de extensão. Então subconscientemente o equipamento nos faz pensar que estamos dando ganho em 100, que é bem complicada de escutar, mas na verdade está aumentando desde muito acima.
Mesmo se a gente descesse a frequência para 20Hz, estaríamos aumentando desde 200Hz. Veja só:
E aí escuto frases como “ No Pultec a gente dá ganho em 20Hz e ouve nitidamente” . É claro que ouve 😊.
Isso é muito mais audível que a distorção harmônica.
E o Pultec Trick?
E quanto ao Pultec Trick? Mais velho que andar pra frente, mas que ainda desperta paixões, ele consiste na enorme rebeldia de fazer o que o manual dele manda não fazer: dar boost e atenuar na mesma frequência! Ah, esses técnicos rebeldes...
Não tem nada de mais. O que se consegue é apenas um shelving mais inclinado e escavado na frequência de subida:
Sim, agora o grave aumentou, simplesmente porque as médias foram atenuadas.
O principal nesse caso não é que essas curvas são desse jeito. O ponto que eu observo é que não é isso que deixa o Pultec musical. Na verdade é a falta de opção.
Uma vez que os graves (e as médias, queiramos ou não), estejam ajustados, esse equipamento não nos dá a chance de escarafunchar mais e acabar fazendo besteira, e é aí que mora a questão.
E um Eq Digital?
Vamos comparar com as coisas que acabamos fazendo ao usar um equalizador digital de nascença, como o Fabfilter Pro Q3. Este é o ajuste nele que equivale ao que fizemos ali em cima no Pultec:
F=535Hz , Gain 9.4dB Q= 0.425
Quantas vezes vc já viu alguém usando uma equalização assim em um eq digital? É bem raro.
Se você pensa em equalizar dando 6dB de ganho em 100 Hz, com o mesmo ajuste que em tese foi feito no Pultec, vai acabar com algo muito mais preciso, só que soando assim. A linha roxa é o Fabfilter e a vermelha o Pultec.
É claro que o Pultec tem muito mais “som”, mas certamente não porque ele faz o que o seu painel induz. É bem o oposto.
E Onde Está a Musicalidade?
Mas a questão não é apenas essa. Aliás não é nem perto dessa. O problema está no excesso de liberdade. Quando pego uma equalização feita no Fabfilter, ou mesmo nos plugins proprietários do Logic e do Reaper, o que é mais comum de achar são coisas desse tipo:
Essa equalização não tem nada de musical, e eu explico por quê: os três equalizadores tipo peaking estão fechados demais, atuando apenas em regiões muito pequenas de frequência. E no caso do mais grave, tem ganho muito alto, o que vai provocar deslocamentos de fase em torno dessa região. Lá no extremo agudo, provavelmente o que se queria era apenas uma aumentadinha em torno de 5kHz, mas usando esse shelving estamos aumentando toda a informação que vai até o limite agudo, e dando um monte de ganho.
Isso tudo não soa musical, porque nenhum instrumento soa assim. E raciocinando ao contrário, nenhum instrumento tem deficiências tão específicas de frequência. Essa equalização certamente soará totalmente artificial, mas a culpa não é do equalizador, mas de quem equalizou.
Esse tipo de equalização é típico de quem equaliza com os olhos, focando mais no gráfico do que no som. Assim um equalizador que não nos dê toda essa liberdade acaba dando resultados mais amistosos e eficientes. Nada como uns fatores limitantes pra nos afastar dos exageros...
E Como Conseguir Sempre Musicalidade?
E como deixar um equalizador qualquer mais “ musical” ?
A primeira coisa é pensar no que é possível atenuar antes de pensar no que precisa subir.
Segundo, embora atenuações possam ser em frequências bem estreitas, os ganhos costumam ser mais largos. A dica é, se você está precisando dar ganho acima de uns 6 dB em alguma frequência, ou vc está na frequência errada, ou o instrumento não gera aquela frequência. Ganhos em regiões muito estreitas geram ressonâncias – elas vão durar mais que as outras.
E finalmente, não equalize com os olhos. É óbvio que o gráfico pode ajudar, mas não deve ser o juiz que vai bater o martelo. Aí são os ouvidos que contam.
Grande Fabio! Mais um assunto que é desmistificado com extrema competência! Realmente, o que torna um equalizador "musical" é tão somente o uso (correto) que fazemos dele! E, por incrível que pareça, a grande dica é: equalizar com os ouvidos e não com os olhos! Forte abraço!