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Foto do escritorFabio Henriques

O Que Torna um Equalizador "Musical" ?

Tem uma coisa que me deixa intrigado, que é a frequente observação de que esse ou aquele equipamento de áudio é mais “musical”. Eu queria entender o que quer dizer isso no fundo. Será que significa que é fácil se chegar a resultados eficientes em uma música? Mas se for assim, isso só aconteceria se o equipamento se ajustasse sozinho. A partir do momento em que entra o elemento humano nos ajustes, somos nós os responsáveis, para o bem ou para o mal.

Vejamos o caso emblemático dos equalizadores. Normalmente um equalizador não diz pra gente onde mexer nem como mexer. Isso porque na verdade os equalizadores somos nós. O pobre do equipamento faz o que a gente manda.

Sim, é verdade que a inteligência artificial está vindo com vontade e em breve provavelmente os equalizadores vão pedir licença e fazer o trabalho por nós. Mas por enquanto ainda somos nós os responsáveis.


Um Clássico Eq Musical


Talvez o caso mais famoso de equalizadores “musicais” seja o clássico Pultec EQP1A. O equalizador desejado por 11 de cada 10 pessoas que se aventuram no áudio. Todo mundo concorda que eles são extremamente musicais, embora ninguém saiba dizer direito o que é isso.

Aí eu entro com a minha teoria. Eu acredito que as pessoas descrevem como musical um equalizador com que se consiga resultados facilmente e que esses resultados soem bem e soem familiares. Então provavelmente a musicalidade está associada na verdade mais à facilidade de uso do que a uma característica sonora própria.

Sim, existe uma possibilidade de que ele possua uma tendência a gerar distorção harmônica alta no sétimo harmônico (aquele que soa o pior deles), mas convenhamos que isso seria o detalhe do detalhe.

Como todo mundo já viu, eu não sei direito o que é ser “musical”. Uso áudio pra música, e todo equipamento que eu uso e gosto de usar, para mim é musical. Tem uns equipamentos que dão bons resultados, mas são muito difíceis de usar. Esses eu já reparei que tenho uma certa dificuldade em chamar de musicais.

Mas o que será que caracteriza um EQP-1 A mais do que qualquer outra coisa? Com esse glamour todo que a saturação está tendo hoje em dia, vem logo um povo dizendo que é a distorção harmônica que faz ele ser musical. Bom, eu tenho minhas dúvidas, porque existe outra coisa muito mais evidente.


O Segredo de Ser Musical


Vamos observar. Digamos que eu pegue um EQP-1 A e queira usar num contrabaixo. Vou lá e ajusto ele em 100Hz, dando um ganho de 6 no botão:


Primeira coisa, o ganho em 100Hz foi de 9dB, e não 6, como o botão possa induzir, e mais importante que tudo: o shelving é extremamente largo. A gente quis dar ganho em 100Hz mas está acentuando desde 2000Hz. A subida do shelving é de quatro oitavas de extensão. Então subconscientemente o equipamento nos faz pensar que estamos dando ganho em 100, que é bem complicada de escutar, mas na verdade está aumentando desde muito acima.



Mesmo se a gente descesse a frequência para 20Hz, estaríamos aumentando desde 200Hz. Veja só:


E aí escuto frases como “ No Pultec a gente dá ganho em 20Hz e ouve nitidamente” . É claro que ouve 😊.

Isso é muito mais audível que a distorção harmônica.


E o Pultec Trick?


E quanto ao Pultec Trick? Mais velho que andar pra frente, mas que ainda desperta paixões, ele consiste na enorme rebeldia de fazer o que o manual dele manda não fazer: dar boost e atenuar na mesma frequência! Ah, esses técnicos rebeldes...

Não tem nada de mais. O que se consegue é apenas um shelving mais inclinado e escavado na frequência de subida:



Sim, agora o grave aumentou, simplesmente porque as médias foram atenuadas.

O principal nesse caso não é que essas curvas são desse jeito. O ponto que eu observo é que não é isso que deixa o Pultec musical. Na verdade é a falta de opção.


Uma vez que os graves (e as médias, queiramos ou não), estejam ajustados, esse equipamento não nos dá a chance de escarafunchar mais e acabar fazendo besteira, e é aí que mora a questão.


E um Eq Digital?


Vamos comparar com as coisas que acabamos fazendo ao usar um equalizador digital de nascença, como o Fabfilter Pro Q3. Este é o ajuste nele que equivale ao que fizemos ali em cima no Pultec:


F=535Hz , Gain 9.4dB Q= 0.425


Quantas vezes vc já viu alguém usando uma equalização assim em um eq digital? É bem raro.


Se você pensa em equalizar dando 6dB de ganho em 100 Hz, com o mesmo ajuste que em tese foi feito no Pultec, vai acabar com algo muito mais preciso, só que soando assim. A linha roxa é o Fabfilter e a vermelha o Pultec.



É claro que o Pultec tem muito mais “som”, mas certamente não porque ele faz o que o seu painel induz. É bem o oposto.


E Onde Está a Musicalidade?


Mas a questão não é apenas essa. Aliás não é nem perto dessa. O problema está no excesso de liberdade. Quando pego uma equalização feita no Fabfilter, ou mesmo nos plugins proprietários do Logic e do Reaper, o que é mais comum de achar são coisas desse tipo:



Essa equalização não tem nada de musical, e eu explico por quê: os três equalizadores tipo peaking estão fechados demais, atuando apenas em regiões muito pequenas de frequência. E no caso do mais grave, tem ganho muito alto, o que vai provocar deslocamentos de fase em torno dessa região. Lá no extremo agudo, provavelmente o que se queria era apenas uma aumentadinha em torno de 5kHz, mas usando esse shelving estamos aumentando toda a informação que vai até o limite agudo, e dando um monte de ganho.


Isso tudo não soa musical, porque nenhum instrumento soa assim. E raciocinando ao contrário, nenhum instrumento tem deficiências tão específicas de frequência. Essa equalização certamente soará totalmente artificial, mas a culpa não é do equalizador, mas de quem equalizou.

Esse tipo de equalização é típico de quem equaliza com os olhos, focando mais no gráfico do que no som. Assim um equalizador que não nos dê toda essa liberdade acaba dando resultados mais amistosos e eficientes. Nada como uns fatores limitantes pra nos afastar dos exageros...


E Como Conseguir Sempre Musicalidade?


E como deixar um equalizador qualquer mais “ musical” ?


A primeira coisa é pensar no que é possível atenuar antes de pensar no que precisa subir.


Segundo, embora atenuações possam ser em frequências bem estreitas, os ganhos costumam ser mais largos. A dica é, se você está precisando dar ganho acima de uns 6 dB em alguma frequência, ou vc está na frequência errada, ou o instrumento não gera aquela frequência. Ganhos em regiões muito estreitas geram ressonâncias – elas vão durar mais que as outras.


E finalmente, não equalize com os olhos. É óbvio que o gráfico pode ajudar, mas não deve ser o juiz que vai bater o martelo. Aí são os ouvidos que contam.


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1 Comment


Silvio Bitzki
Silvio Bitzki
Feb 07, 2023

Grande Fabio! Mais um assunto que é desmistificado com extrema competência! Realmente, o que torna um equalizador "musical" é tão somente o uso (correto) que fazemos dele! E, por incrível que pareça, a grande dica é: equalizar com os ouvidos e não com os olhos! Forte abraço!

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