(ou O Lado Bom da Intermodulação)
- O Que São Power Chords?
São acordes em que se toca apenas a fundamental e a quinta, omitindo-se a terça. Em outras palavras, para tocar um acorde A5 , executa-se ao mesmo tempo Lá e Mi, e mais nada.
Mas como assim? Um acorde onde se toca uma nota a menos soa mais “poderoso” que um acorde de três notas? Como explicar isso?
- Distorção Harmônica
Embora possam ser usados (e são) em situações acústicas, os power chords são filhos da distorção dos amps de guitarra, pois é aí que sua personalidade mais aparece. E isso obviamente tem explicação técnica.
O ato de distorcer uma onda provoca o aparecimento de harmônicos que não estavam lá antes. Vamos ver como isso acontece. Na figura abaixo, vemos uma única senoide antes e depois de passar por um distorcedor:
O fato de termos distorcido a senoide fez com que aparecessem diversas outras componentes em várias frequências, todas acima da senoide fundamental. É a soma de todas as componentes que gera a forma de onda distorcida .
O interessante é que essas componentes possuem uma relação bem definida com a frequência original. Se a onda original tem 220Hz (um Lá) , aparecem agora 440Hz(outro Lá), 660Hz (um Mi), 880Hz (outro Lá), 1100Hz (um Dó#) e etc. Ou seja, a distorção gerou senoides que , pelo menos para esses primeiros valores, fazem parte do que conhecemos como o acorde de Lá maior.
Por isso tudo essa distorção é chamada Distorção Harmônica, e a própria utilidade dos acordes e da harmonia se entrelaça com essa característica física das ondas!
- Montando um Acorde
Vamos agora ver o que acontece quando tocamos um acorde de Lá maior (com as notas Lá , Dó# e Mi) antes e depois da distorção:
Fica evidente que a inserção do distorcedor gerou um monte de harmônicos, o que pode acabar gerando uma senhora embolação sonora.
Pra complicar mais, precisamos ainda levar em conta outro fator: o temperamento. Para que as coisas na música em geral funcionem , por motivos que nos levariam muito fora de nosso foco aqui, os intervalos que usamos normalmente não se ajustam perfeitamente à serie harmônica. É o chamado “temperamento”. Porém a quinta (o intervalo entre Lá e Mi, por exemplo) é o que mais se aproxima do valor do harmônico. Já as terças são bem “fora do lugar”, e aí, com esse monte de harmônicos gerados pela distorção, se as notas que os originam não estão bem no lugar “certo”, o resultado é uma embolação considerável.
E aí, nesses casos, retirar a terça e deixar apenas a quinta acaba deixando o acorde mais ajustado e “poderoso”. Daí o nome.
- O Poder Secreto do Power Chord
O que muita gente ignora é que um distorcedor (ou um amp distorcendo) não gera só distorção harmônica. Vamos ver o que acontece quando “tocamos” um power chord de Lá com distorção:
Como já vimos, ao tocar as duas frequências em vermelho, aparece a série harmônica inserida pela distorção, e esses harmônicos estão todos acima dessas duas notas originais.
Mas espera um pouco. Apareceu uma frequência ABAIXO das notas fundamentais. E se a gente observar bem, essa componente é um Lá de 110Hz. Uma oitava abaixo da fundamental!!!!
De onde veio essa frequência?
- Distorção Por Intermodulação
A distorção provocada por circuitos como os saturadores não é só harmônica. Aparecem outros parciais (frequências que não fazem parte da série harmônica). Uma dessas distorções é a chamada Intermodulação. Quando duas frequências são multiplicadas uma pela outra, por exemplo, aparecem componentes em frequências que são a soma e a subtração delas.
Momento Nerd: a intermodulação pode ser observada a partir a identidade trigonométrica sen(A) x sen(B) = (1/2) [cos(A-B) + cos(A+B)] .
Ou seja, ao multiplicarmos duas ondas aparecem componentes nas frequências da soma e da diferença delas. A soma se mistura aos harmônicos gerados pela distorção harmônica, mas a diferença fica fácil de se destacar.
Então, ao tocar o power chord Lá + Mi e distorcendo, acabamos combinando Lá x Mi , e suas frequências são 220 e 330Hz, respectivamente. Por causa da intermodulação, vão aparecer além dos harmônicos, os parciais em 330+220= 550Hz e 330-220Hz=110Hz . O 550Hz é uma terça (mais duas oitavas) acima, o que não é nada mal, e o 110Hz é um Lá uma oitava abaixo , e isso é muito bom!
Se tocamos na guitarra o power chord de Mi/Si, surge um Mi uma oitava abaixo, que é a nota mais grave do contrabaixo de quatro cordas!!!
É esse sub-harmônico que dá peso ao power. Esse é o segredo do Power Chord.
- Mas a Intermodulação é Só Boa?
Infelizmente, não. Existem duas coisas sobre a distorção por intermodulação (abreviada como IM): ela sempre aparece, em maior ou menor grau, nos circuitos eletrônicos, e também ela não está nem aí pra série harmônica. Particularmente a IM ocasionada pela interação dos 60Hz da fonte e seus harmônicos pode ser bem significativa em alguns circuitos. E como os parciais gerados são mais rebeldes em termos de frequências, o resultado pode não ser desejável.
- O Ring Modulator
Como o pessoal do áudio e da música adora fazer limonadas dos limões que aparecem, um dos efeitos presentes no rol de processadores a nossa disposição é o Ring Modulator. O que ele basicamente faz é multiplicar o sinal de entrada por outra frequência (fixa ou não). E ainda tem um detalhe interessante na IM. Ali em cima quando falamos da multiplicação dos dois senos, repare que as frequências originais A e B não aparecem no resultado. Só aparecem A-B e A+B.
No ring modulator é exatamente isso que acontece, como se pode ver na figura. O que pode salvar é o controle de “mix” , que soma a essa saída o sinal original. O ring modulator é um efeito bem drástico, mas tem seus usos. Aqui alguns exemplos: https://www.sweetwater.com/insync/a-simple-guide-to-modulation-ring-mod/
Eu particularmente gosto de usar para criar sons de kick mais graves para música eletrônica a partir de um sample de caixa, por exemplo. Como as caixas têm a fundamental em uns 200Hz, passar por um ring mod em 150Hz vai gerar uma saída em 50Hz e outra em 350Hz. Daí é só filtrar o 350 e dosar a quantidade de altas.
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