Dentre as técnicas de gravação usando dois microfones, a M/S (mid/sides) é uma que tem tido um bom destaque ultimamente, talvez por exigir um matriciamento (o que deixa as coisas mais românticas) e por ser filosoficamente interessante. Mas existe uma coisa extremamente importante ao usar essa técnica e que nenhum livro/vídeo de áudio (nem o meu ☹ ) vai lhe dizer.
Vamos fazer um suspensezinho e guardar esse segredo por alguns parágrafos – mas vale a pena esperar, porque ele vai mudar seus conceitos!
O Que É Mid/Sides
Bom, pra começar a técnica de gravação M/S não tem nada diretamente relacionado com o processamento M/S na mixagem. Existe obviamente uma relação teórica, mas não direta. Por definição, o que chamamos Mid é a soma dos canais L+R . A informação que está igual dos dois lados do estéreo fica plena no canal Mid, que obviamente é mono. Já o Sides tem uma pegadinha. Ele não é a informação lateral do áudio. Ele é a subtração L-R, e isso é algo bem diferente. Os sides são dois canais, mas um é igualzinho ao outro, exceto que a polaridade deles é oposta.
Para quem quiser mais detalhes da parte “mixagem” do M/S, tem esse meu vídeo bem esclarecedor aqui: https://youtu.be/Ag8BakoPft4
A Técnica de Microfonação M/S
Do lado da gravação, a técnica de microfonar em M/S consiste em usar um cardioide apontado para frente e um bidirecional com o diafragma na mesma posição do cardioide, só que apontando para os lados , tipo na foto lá do início.
O cardioide é o M e o bidirecional é o S. O primeiro capta o “meio” , o que vem diretamente da frente, e o segundo capta os “lados”. Mas pra coisa funcionar como pretendido é preciso o que se chama um “matriciamento”.
O mic do M é mandado por igual para L e R , e o mic do S deve ser copiado para um outro canal, e nesse segundo canal deve-se inverter a polaridade (inverter a fase), abrindo os dois no estéreo. O esquema é esse:
Desse modo nós podemos controlar a largura do estéreo apenas alterando a proporção dos volumes entre o M e os Ss . Engenhoso, não é?
Qual a Vantagem?
Essa técnica se popularizou em uma época em que era preciso gerar áudio estéreo que fosse ouvido o melhor possível em mono (o fim dos anos 1950 até o início dos 1970), porque muitos aparelhos não eram estéreo.
O que faz essa microfonação ser útil é que com esse matriciamento, se ouvirmos em mono, os sides se cancelam, e temos apenas a informação do cardioide central, e isso deixa o resultado mono super fiel.
Fora isso, sinceramente, não tem muita vantagem não. Se a pessoa desejar pensar em processar um canal estéreo como M/S na mix, é muito fácil hoje em dia converter. E o estéreo obtido com essa microfonação não é grandes coisas. Mas é divertido gravar assim, admitamos.
E o tal do Segredo?
Pois bem. Experimente gravar um violão usando essa técnica, e veja ...
... como não funciona direito!!!!
E aí é que está o detalhe que todo mundo acaba não mencionando ao falar de microfonação M/S.
“A técnica M/S não funciona como deveria quando a fonte está próxima!!!”
Na época em que ela foi desenvolvida, costumava-se gravar com os microfones muito mais afastados das fontes do que hoje em dia. E se a gente pensar ao contrário , hoje se grava com muito close miking , e é aí que a M/S se embanana.
Por Quê?
Vamos pensar juntos um pouco. Se a gente olhar lá no nosso ebook de Áudio: Fundamentos, vai ver uma informação importante sobre as ondas sonoras:
“Quanto mais baixa a frequência, mais a onda tende a contornar os obstáculos , e ser menos direcional”.
E o oposto também acontece. Agudos e médias altas são mais direcionais, e são refletidos pelos obstáculos.
Sabendo disso, vamos ver de perto o que acontece nos dois microfones quando gravamos uma fonte próxima:
Para as frequências agudas, o cardioide vai captar muito bem o que vem direto da fonte, mas o bidirecional não. Ele basicamente vai captar o que vem das laterais, inclusive o ambiente.
Já os graves e médias baixas que vêm diretamente da frente são captados pelo cardioide, mas também contornam esse microfone e acabam captados pelos dois lados do bidirecional. Então quando tocarmos os mics juntos, os graves do lado esquerdo se somam, e os do lado direito se subtraem.
OBS: É claro que uma informação que atinja o bidirecional por igual dos dois lados tende a não ser captada, mas como a fonte está próxima, há uma tendência de se ter informações diferentes mesmo entre os graves nos dois lados do bidirecional.
O resultado é que por causa desse efeito, um lado soará mais alto, estragando toda a intenção de se gravar estéreo. E não tem solução boa pra isso.
O que se pode fazer é cortar os graves dos sides, ou deixá-los bem mais baixos, mas francamente o que eu acabo fazendo é usando só o mid e um simulador de estéreo.
Resumindo
A configuração M/S de microfones é muito útil quando se deseja microfonar algo a uma certa distância, e de preferência não muito grave, como overs de bateria, por exemplo. Microfonar de perto um violão em M/S sempre vai deixar o lado + do sides mais alto que o outro.
Existem outras configurações , como a ORTF ou um par espaçado, que acabam dando um resultado melhor.
P.S. – Na foto lá de cima tem outro problema: os mics estão captando na altura da boca do violão, que é um dos piores lugares pra microfonar 😊 .
Parabéns Fábio! Sempre temas interessantíssimos, apesar de um tanto quanto complexos! Mas assim é a arte do conhecimento, inclusive do conhecimento em áudio...
Quanto mais eu leio e tomo conhecimento desses assuntos, maior é a minha percepção de quão imenso é o universo do áudio e de quão ínfimo é o meu saber...