Esse é mais um daqueles procedimentos onde a criatividade vem pra socorrer a necessidade. Vamos investigar o meu problema.
Adoro o Abbey Road Chambers, da Waves. Comprei e foi paixão instantânea, mas como em todas as relações avassaladoras como essa, a gente acaba tendo que pagar um certo preço. No caso desse plugin, pelo menos na minha máquina, ele come toneladas de CPU (Windows11, i7, 16gB RAM, NVidia).
Reparem na imagem o que acontece ao usar apenas uma instância do Chambers - picos de 65% de CPU:
Antes que os prestativos colegas venham me dar várias sugestões de corrigir isso, deixem-me tranquilizá-los. Eu estou usando o problema apenas para ilustrar a técnica que vou passar aqui.
Então pensei se não haveria um esquema que me permitisse usar um efeito que gosto sem comprometer demais minha CPU, e aproveitar para ilustrar mais uma das maravilhas do áudio digital: a Impulse Response.
- O Que É Impulse Response
Antes de mais nada, o que é o Impulse? É um sinal de comprimento extremamente curto e amplitude extremamente alta. No caso do áudio digital, é apenas 1 sample com uma amplitude bem grande.
Esse sinal – o impulso – também conhecido como “delta”, apresenta uma propriedade muito importante. Ele transporta dentro de si todas as frequências do mundo. Ao contrário de uma senoide constante, que possui apenas uma frequência, o impulso é o sinal mais curto possível, e
acaba carregando dentro de si infinitas senoides. Na figura, podemos ver um track que contém um impulso, e como fica sua reposta no analisador de espectro (a linha horizontal indica que todas as frequências possíveis estão ali) . E embaixo o mesmo caso para uma senoide (onde apenas a componente de 50Hz aparece):
Essa então é a maior utilidade do Impulso: como ele contém todas as frequências do mundo, se a gente entrar com ele em um sistema (um equipamento, uma sala, um software), poderemos saber como esses sistema responde a todas as frequências do mundo ao longo do tempo.
Imagine que temos uma sala com um reverb interessante. Se a gente dá um jeito de tocar nessa sala um impulso bem alto (uma bombinha de São João, um estouro de um balão, etc) , e gravarmos o som que acontece na sala em resposta ao impulso, nós temos uma “fotografia” de como a sala responde a todas as frequências do mundo!!! Essa fotografia é o que se chama Impulse Response.
Se a gente agora pega um sinal qualquer e combina com a Impulse Response, será como se estivéssemos executando esse som na sala original. Essa combinação com a IR é uma operação
simples mas extremamente trabalhosa chamada Convolução. Sem entrar em detalhes, a convolução exige milhões e milhões de somas e multiplicações, o que já foi um problema, mas que as CPUs hoje em dia tiram de letra (inclusive as dos celulares).
- LTIs
As coisas obviamente na prática não são tão simples, mas filosoficamente são exatamente assim. O principal cuidado com IRs e convoluções é que esse esquema só dá certo se o sistema que estamos modelando for LTI (Linear Invariante no Tempo). Ou seja, tirar a impulse response de coisas como salas e cabinets de amps é tranquilo, mas coisas que variam no tempo e que não são lineares (como os compressores e os distorcedores) não rolam, pelo menos não desse jeito .
Obviamente os cientistas arrumaram jeitos de capturar IRs de sistemas não lineares, mas aí o processo é bem mais complicado . O bom é que a complicação fica no lado da captura da IR , deixando a convolução ainda simples (porém ainda trabalhosa).
- Voltando ao Problema Original
Pois bem, tenho esse plugin que consome muita CPU mas é excelente. Uma solução, que demonstro aqui , é simplesmente tomar a Impulse Response desse plugin e usá-la em vez dele.
Existem várias possibilidades de fazer isso. Para meus valentes colegas eu vou disponibilizar um arquivo de áudio que tem um Impulse, que foi o que usei. É provavelmente o jeito mais simples.
O processo é:
1) Coloco o áudio Impulse.wav em um track.
2) Inserto o plug-in desejado nesse track (no caso, o Abbey Road Chambers). Ajusto o plug-in para o som que desejo, colocando a saída em 100% wet e sem nenhum delay , nem predelay. No caso do Abbey Road, é preciso desligar o STEED (que é um delay).
3) Gravo a saída desse canal – esta será a IR.
4) Dou um ganho nesse áudio e corto a parte de silêncio que vem antes.
5) Renomeio esse áudio e exporto o arquivo.
6) Agora, quando quiser usar essa IR eu inserto um plugin de convolução que aceite arquivos .wav, como o MconvolutionEZ, da Melda, e mando ele ler a IR que acabei de gerar.
7) Ajusto o dry/wet e outros parâmetros que esse plugin permitir.
O video abaixo ilustra o processo.
Dá pra ver que o som obtido é extremamente parecido (pra não dizer “igual”) ao original. A gente poderia fazer isso para reverbs (que não possuam modulações no tempo), cabinets, e até simulações de microfones. Mas nem tudo são flores...
- Desvantagens
Alguém agora pode ter a sacada “genial” de baixar a demo gratuita de um plugin megacaro, fazer esse procedimento e pronto! Peguei um plug-in grátis sem piratear!
Sem entrar na discussão de se é piratear ou não, tem outro problema: como falei acima, nós tiramos apenas uma “fotografia” de apenas um preset do plug-in. Se a gente quer outro ajuste, mesmo pequeno , precisa fazer outra IR . Para os mais obstinados, é possível se tomar dezenas e dezenas de IRs , desde qua haja tempo, disposição e espaço em HD. O que eu prefiro é usar o processo apenas para economizar CPU. Eu tenho o plugin original e posso voltar nele a qualquer tempo e retomar a IR.
Além disso, muitos irão argumentar que se é assim, basta fazer um “commit” desse track, e é verdade, mas aí não seria tão divertido 😊 . E nem daria pra aplicar facilmente em qualquer canal.
Agora, se você faz isso para um cabinet, por exemplo, já que ele é sempre igual, começa a ficar vantajoso.
- Vantagem Principal
Sem dúvida o mais bacana é a gente usar isso tudo para constatar como funciona o processo de convolução e entender o poder que ele representa. Pode-se fazer isso com vários presets, longos e curtos, e observar como o plugin gera as reflexões da sala. E nada impede da gente processar nossa IR como desejado, com processadores de estéreo, compressores, flangers, o limite é a criatividade.
No mínimo , é um ótimo exercício.
O arquivo que contém o Impulse pode ser baixado em https://rip.to/sPulSo
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